Leonel Santos - OS ESCRAVOS DO DINHEIRO I

OS ESCRAVOS DO DINHEIRO I


Eu sou tudo e não sou nada … sou a Morte!

A Paz e a Guerra, igual mister

Láquises com Fortuna, bens e sorte

Átropos quando lucros mais tiver

Meu reino vai de Sul a Norte

De Ocidente a Oriente o meu Poder


Não fui eu que me fiz, alguém me fez

Logo do meu existir não sou culpado

Sou um deus somente, fizeram-me vocês

Como a todos os deuses do passado

De cegueira não me culpem, nem surdez

Nem eu posso mudar meu próprio Fado


Sou um deus derradeiro e condenado

A condenar também os mais viventes

Não olho culpado ou não culpado

Os interesses meus são bem diferentes

E cada dia mais cavo um bocado

Para abrir a cova aos mais valentes


Atribuem-me valor mas nada valho

Ante qualquer factor da Natureza

Tirei valor em tempos do trabalho

Enquanto fiz do Homem a minha presa

Mas hoje já não passo dum espantalho

Que aterra a espécie humana, ultraja e lesa


Sou uma abstracção complicada

Porque ando aí por entre a gente

«Real abstracção»…trago enganada

A Humanidade assim mais facilmente

E faço que ela viva separada

Em sociedade sim, mas aparente


Dão-me o brilho da Luz, ofereço a Treva

O valor do Todo e sou o Nada

Sou o fumo dum sonho que se eleva

Duma empresa qualquer imaginada…

E sou ainda a morte que vos leva

De forma cada vez mais apressada


Nem eu jamais aceito o vão conceito

Dum altruísmo qualquer ou de amizade

Tudo isso se opõe ao meu proveito

Como abstracta e vã banalidade

Eu sou do Mercado o braço d’reito

A suprema e moderna majestade


Nada me diz, a desventura, a fome

A miséria…indiferença só me traz!

Que me importa a mim o que não come

Se compras não fez… não fez nem faz

A guerra… isso sim, vende e consome

Mas ninguém compra ou vende paz


Banido do Mercado o que é que eu faço

Se mais nada aprendi nem sei fazer

Se não aproveitar o largo espaço

Que o crime legalmente me confere

Livre eu lhe estendo o franco braço

E ele a mim mo dá quando bem quer


Agimos sempre ambos lado alado

É a corrupção nosso estandarte

Vendo, Bem e Mal tudo é Mercado

Desde que eu embolse a minha parte

Nunca produzi valor, está provado

Mas ninguém ganha mais em qualquer arte


Sou eu o deus do mundo onde resido

Faço tudo quanto quero e me apetece…

Só que o meu valor, valor fingido

Quando o Homem no valor não prevalece

Ainda que a máquina produza o que é devido

Veja-se… o meu valor não aparece!


Se o Homem não achar diferente estrada

Para lá do meu garrote suicida

Esperará em vão a madrugada

Duma aurora nunca amanhecida…

Toda a Minha História é crime e nada

A História que nos falta é a da Vida!


Leonel Santos

Lisboa, Julho 2012