Leonel Santos - OS ESCRAVOS DO DINHEIRO I I

OS ESCRAVOS DO DINHEIRO II


Parem as máquinas, os tractores, as segadeiras

Toda a tecnologia, a mais recente

Arranquem com as mãos, as pedras, do fundo das pedreiras

E vai haver trabalho pr’a toda a gente

Desapareçam os cilindros e as britadeiras

Regresse enxada e ancinho novamente


Enferrujem os comboios, os carris, o avião

Apodreçam e desfaçam-se em sucata

Tragam de novo a carroça e o carro de mão

Comprem um burro ou toca a andar à pata

Calça de surrobeco bota-de-elástico ou cordovão*

Lume feito a lenha, que fica mais barata


Voltem a acender velas de cera e estearina

Candeeiros a petróleo, archotes ou azeite

Comprem uma carroça, poupem gasolina

E uma cabrinha dá-lhes sempre, carne e leite

Comam saramagos frescos da campina

E o caracol dos campos se aproveite


Podem ainda comprar um borrego ou um leitão

Vender ovos, comprar patos e galinhas

Comer beldroegas com algum feijão

Azedas e urtigas e fazer sopinhas

Chama-se a isto «Civilização»

Segundo políticos e padres nas suas ladainhas


Fanáticos do trabalho parem de gritar!

O trabalho já não vem depois de morto

As máquinas vieram para mostrar

Que tudo dantes era inda mais torto…

Que o Homem nunca teve pr’a’judar

Tanto tempo como agora o desgraçado corpo


Vede as máquinas que fazem numa hora

O que o Homem em doze horas não faria

E melhor cem vezes do que outrora

Quando media o martelo a energia

E quando o comboio a lenha, campos fora

Fumava muito mais que se movia


Agora só com um disco em rotação

Se corta o ferro, a pedra e a madeira

Tão depressa quanto se corta o próprio pão

Com um simples canivete de algibeira

E enquanto se derruba cinco ou seis árvores à mão

Se destrói com a motosserra a selva inteira


A escavadora é hoje uma arma de guerra

Que cinquenta de nós ou mais não venceremos

Derribando a vertente rochosa duma serra

Com os nossos esforços mais supremos...

Se nunca em tempo algum houve na terra

Mais condições pr’a viver do que hoje temos


Que sentido nos faz correr para o abismo

Curvados ao dinheiro que rebuscamos

Esse deus sacrossanto do capitalismo?

Sim… que sentido há quando legamos

A nossa humana espécie ao abstraccionismo

O que é esse amanhã que procuramos?


Escravos do passado em busca do dinheiro

Escravos do dinheiro porque o não temos

Escravos dispersos pelo mundo inteiro

Bastardos dum mundo que nunca tivemos

Sem máquinas tivemos palha e um palheiro

Com máquinas, nem palheiro nem palha temos!


Com máquina ou sem máquina igual missão

Só o nome se mudou à escravatura

Socialmente sepultou-se a evolução

Como experiencia velha ensina e jura

Quantos tombaram no seio da escravidão

Quantos tombam hoje à sua procura?


Mova-se a enxada, a picareta, o alvião

Aprenda-se a doutor ou engenheiro

Defina-se a partícula incerta do Bosão

O curso da Sociedade do Dinheiro

É fugir-lhe ou morrer na sua mão

Como o anho nas mãos do carniceiro!


Leonel Santos

Lisboa, Julho 2012

*Botas de pele de cabra